18 outubro 2010

Neuclíce Ferreira.


NF chegou e sentou-se no fundo da sala de aula, no lugar que ela se senta há exatos 160 dias, ou mais. Ali dá para ver todos que ela já conhece muito bem.
Aqueles que vêem direto do trabalho e os que tomam banho e só aparecem depois de terem jantado.

O rapaz que se senta a sua frente, vem sempre com uma bota que, provavelmente usa numa fábrica qualquer. Tem a expressão cansada, também pudera, imagina que ele acorda muito cedo.

Os prédios ao lado da sala são todos antigos, fedendo a mofo. Há inúmeras janelas, muitas delas com roupas dependuradas. Roupas de todas as cores, para todos os gostos. Por vezes aparece algum rosto assustado na janela de algum andar. Tem dias que observa e vê uma mulher que segura o bebê, enquanto fala ao telefone e mexe no fogão. Talvez isso seja perigoso. Mas quem é que não vive perigosamente nesta vida?

Noutro dia no meio de uma aula todos ouviram um grito, que veio de algum cômodo de algum daqueles prédios imundos. Depois do grito o professor fez uma piada trágica: “Alguém morreu”, disse ele. E a sala toda riu, inclusive NF.

Talvez algo realmente terrível tenha acontecido naquele momento, ninguém sabe e ninguém viu. Mas quantos gritos silenciosos nos são ditos a todo o momento?
Mesmo naquela sala, que sentia-se tão confortável e tão desconfortável ao mesmo tempo. O que cada uma daquelas criaturas estaria dizendo internamente?
NF não poderia imaginar, até podia, mas agora não há tempo, o professor acabara de chegar.

Enquanto ele fala, NF observa a sala. Todos sentados, alguns desajeitados, com as pernas abertas, cabeça torta. As garotas da primeira fileira trocam cochichos ao pé do ouvido, a senhora da segunda fila faz anotações, o rapaz da frente tem a cabeça encostada na parede.

Há muitos cartazes colados na sala, não haveria necessidade de tantos, pensa. Alguns são iguais colados num canto e noutro da parede. Poluição visual, mas não pior que a visão que se tem através janela, que agora está encoberta pela cortina que fecharam. É uma cortina de tecido muito grosso, vermelho, com detalhes em dourado. Imagina que há muito pó e ácaros naquela cortina. Pelo visto não há ninguém com problemas respiratórios nesta sala.

Quando se vê já são 21h. O tempo passa rápido. Agora todos sairão para comprar pipoca, no térreo. O Senhor do carrinho de pipocas está encostado na porta de entrada da Galeria, às vezes ele não vem, mas veio hoje.

NF desce e espera na fila. Olha para os pés e vê um sapato sujo depois de um dia normal.

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